"A igreja tem sempre de ficar ao lado do Estado Democrático de Direito", declara Ariovaldo Ramos


Vivemos uma situação conflituosa no Brasil, de disputa política e ideológica, além de uma crise econômica e social cujo desfecho desconhecemos. Para comentar sobre a crise política brasileira e o posicionamento da Igreja frente a esta e a outras problemáticas nacionais convidamos o pastor Ariovaldo Ramos. Presidente da Visão Mundial Brasil e ex-missionário pela Agência SEPAL, o Ariovaldo Ramos é um dos principais representantes da Teologia da Missão Integral (TMI). A presente entrevista é a primeira de uma série que iremos publicar neste blog Somos Progressistas.

Somos Progressistas. O que é a Teologia da Missão Integral (TMI)?

Ariovaldo Ramos. A TMI é uma teologia que insiste numa teologia mais ampla, onde, como disse René Padilla, “quando nós evangelizamos, levamos também em conta o ambiente da pessoa evangelizada”. A TMI expande o conceito de evangelismo e missão porque agrega a proclamação, as boas obras e o enfrentamento.

Somos Progressistas. Há alguns dias o pastor Ed. René Kivitz postou, em sua página no Facebook, uma frase atribuída a Karl Marx. As críticas foram imediatas. Com base no post, o bispo Hermes C. Fernandes publicou um artigo com a indagação: Por que cristãos demonizam Karl Marx? As críticas ao post de Kivitz e ao artigo de Fernandes ocorrem de forma semelhante ao que tem acontecido com relação à TMI. Qual é a sua análise?

Ariovaldo Ramos
. A igreja brasileira foi vacinada contra qualquer menção ao marxismo que não seja para condená-lo e destruí-lo, porque foi ensinado que o marxismo é inimigo do cristianismo.

Somos Progressistas.
Mas será que o fato de a TMI dialogar com o marxismo e outras correntes de pensamento a desqualifica enquanto movimento de inspiração cristã? Defender princípios como a da igualdade social, a emancipação da mulher, a educação e a saúde universais é um erro?

Ariovaldo Ramos. Não. Esses princípios são eminentemente cristãos, porque Jesus Cristo foi pioneiro em todos esses avanços.

Somos Progressistas. Não lhe parece contraditório o fato de que os mesmos que criticam a TMI são defensores de práticas de tortura, porte de armas e de figuras controversas, como a do deputado federal Jair Bolsonaro?

Ariovaldo Ramos. A TMI é uma teologia ortodoxa, com aprofundamento missiológico e evangelístico, que leva a um engajamento na história e na sociedade. Aos que a criticam, não resta outra escolha a não ser abraçar tudo o que é anticristo.

Somos Progressistas. Apesar de a Igreja evangélica ter superado uma fase de profundo fanatismo religioso, com a liberação do acesso aos meios de comunicação e liberalização dos usos e costumes, nos últimos anos um grupo restrito de conservadores radicais têm conduzido parte da Igreja para o enfrentamento com movimentos sociais e as políticas progressistas. Diante deste quadro, podemos dizer que a Igreja corre o risco de caminhar para uma fase de extremismo religioso ao cometer erros outrora condenados?

Ariovaldo Ramos
. Sim. É para onde alguns líderes estão tentando levar a igreja evangélica, onde a ênfase em usos e costumes dá lugar a um moralismo judicioso e anticristão, porque a igreja cristã tem moral, mas não é moralista.

Somos Progressistas. Não obstante o avanço de grupos conservadores radicais, podemos sinalizar que igualmente tem crescido o número de crentes que se declaram progressistas? E mais: é um movimento com forte liderança?

Ariovaldo Ramos.
Tem crescido. É um movimento espontâneo e não me parece que esteja organizado em torno de qualquer liderança específica.

Somos Progressistas. O Estado laico tem sido alvo de inúmeras críticas por parte de lideranças evangélicas. A Igreja Católica cometeu o mesmo erro no passado. Que dizer das críticas à separação entre Estado e Religião? Parece-lhe correto que uma ou mais religiões se sobreponham às demais confissões? Não é o Estado laico preferível em relação ao Estado confessional? Pontue.

Ariovaldo Ramos. O Estado laico é uma contribuição protestante no que tange à relação Estado-Igreja. O Estado confessional só aconteceu entre protestantes que não conseguiram superar o vício romano pelo poder temporal. O Estado confessional é sempre, sob qualquer aspecto, um retrocesso na construção de uma sociedade plural e emancipada.

Somos Progressistas.
Sobre a atual conjuntura política e social, com a divisão do país em grupos antagônicos, qual deve ser a posição da Igreja? A Igreja deve sair em defesa do Estado Democrático ou dar apoio aos corruptos que tomaram de assalto o poder central, com o impedimento de uma presidente que, a despeito de sua baixa popularidade e capacidade administrativa, foi reeleita com mais de 55,7 milhões de votos?

Ariovaldo Ramos.
A igreja tem sempre de ficar ao lado do Estado Democrático de Direito e mais: tem de trabalhar para aprimorá-lo, com o objetivo de sempre torná-lo mais inclusivo, de modo que, os mais vulneráveis tenham garantidos os seus direitos e acesso ao bem comum.

Somos Progressistas. É neste sentido – de defesa do Estado Democrático de Direito – que foi criada a Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito?

Ariovaldo Ramos. Sim. Ela tem nesse primeiro momento o objetivo de lutar pela manutenção da democracia no Brasil que esta sob ameaça, uma vez que, os últimos movimentos foram feitos à revelia ao arrepio da lei. Mas, passada essa fase, a FEPED deve evoluir para o projeto de advocacy em relação aos mais fragilizados na sociedade, assim como assumir a vocação natural de aperfeiçoamento de estado democrático, o que deve ser constante e, no caso do Brasil, trabalhar por uma assembleia nacional exclusiva para a elaboração de uma reforma política.

Somos Progressistas.Triste notícia veiculada nos últimos dias pelos principais meios de comunicação do Brasil e do exterior, o estupro de uma adolescente do Rio de Janeiro tem gerado vários protestos pelo país. Não obstante os casos de estupro e outras violências contra crianças e adolescentes serem ocorrências comprovadas estatisticamente, líderes como Eduardo Cunha e Marco Feliciano propuseram a revogação da Lei 12.845/13 que garante à vítima de estupro pleno atendimento hospitalar, psicológico e policial. Qual é a sua análise desta movimentação?

Ariovaldo Ramos. A sociedade brasileira tem um traço misógino indiscutível. A mulher é vista como objeto, é mal remunerada e esta constantemente exposta à violência dentro e fora de casa. Curiosamente, embora a igreja evangélica esteja entre as confissões de fé onde a mulher tem grande espaço – vide o incontável número de pastoras, missionárias, apóstolas e outros títulos -, o segmento evangélico que esta no poder aparentemente sofre de um retrocesso que não se vê na vida comum da igreja. Provavelmente, isto esta a reboque do moralismo produtor de fobias, que parece pautar esses tais evangélicos.

Somos Progressistas. Para finalizar, qual é a sua opinião da proposta de criação da Associação Brasileira de Cristãos Progressistas? Não é a hora de unificarmos o movimento em torno de uma proposta central de atividade?

Ariovaldo Ramos. Não sei se é um movimento intencional. A FEPED, por exemplo, nasce num primeiro momento como uma reação a uma conjuntura histórica, mas não tenho dúvida de que os cristãos de viés progressista precisam mesmo se encontrar e conversar. Se isso vai gerar algo tão formal como uma associação brasileira, não sei, mas o diálogo é sempre bem-vindo.

Comentários