“A Igreja evangélica sempre teve a figura do pobre em suas fileiras”, declara Vladimir de Oliveira Souza

A pobreza é um problema que assola a humanidade desde os tempos antigos, ganhando maior intensidade após a implementação do Neoliberalismo. Segundo dados do Banco Mundial, estima-se que 1 bilhão e 100 milhões de pessoas tenham níveis de consumo inferior a 1 dólar por dia. Não é um fenômeno apenas dos países subdesenvolvidos, mas também está presente nos grandes centros urbanos e periferias dos países desenvolvidos, com destaque para os Estados Unidos. No Brasil, a extrema pobreza é um problema que vinha sendo diluído nos últimos 15 anos, por meio de programas sociais, como a bem-sucedida Bolsa Família.

Um exemplo dramático dos limites da extrema pobreza é o Lixão de Gramacho, de Duque de Caixas (RJ). Por mais de 35 anos foi a única fonte de recursos financeiros e alimentícios de milhares de famílias. O problema da extrema pobreza persiste mesmo após o fechamento do Lixão e promessas de inserção dos catadores no mercado de trabalho. Quem conhece de perto a realidade dos moradores de Gramacho é o teólogo e pedagogo Vladimir de Oliveira Souza. Sua relação com se dá por meio de sua participação na Casa da Semente, onde realiza atividades sócio-pedagógicas e culturais.

Vladimir é casado com Andrea Portes, e pai do Renato e Eduardo Portes, pastor e plantador na Comunidade Redenção. A #RDBXD é uma igreja simples, orgânica e que possui uma proposta bíblica/pedagógica de atuação responsável e transformadora dentro do cenário da Baixada Fluminense. Tem como filosofia o respeito aos Direitos Humanos, e realiza rodas de conversas sobre temas da atualidade, tendo recentemente ouvido o Deputado e ex-candidato à Prefeito pelo Rio de Janeiro, Marcelo Freixo. Em julho, a #RDBXD promoverá o encontro “Precisamos falar sobre Rafael Braga”. Vladimir de Oliveira Souza falou com o blog por e-mail, de sua casa, em Nilópolis. Leia.

Somos Progressistas. Vivemos um período de grande instabilidade social e política. Nas últimas três décadas tivemos um significativo aumento nas políticas sociais, em parte garantido pela Constituição de 1988 e com os programas sociais implementados a partir de 2003. Você tem a mesma percepção de que os pobres tinham mais oportunidades?

Vladimir de Oliveira. Creio que boa parte das chamadas políticas públicas tiveram avanços consideráveis nas últimas décadas. O ano de 2003 é um marco histórico porque neste ano teve início a implementação de vários programas sociais. Segundo o IPEA, esses programas tinham em comum: definir um recorte espacial para sua atuação; priorizar áreas de concentração de pobreza; atuar de forma descentralizada; e priorizar instâncias coletivas de deliberação e participação social. Mesmo com todas as limitações que são inerentes ao poder público, o fato é que milhões de brasileiros foram alcançados e transformados a partir dessas ações empoderadoras.

Somos Progressistas.  As reformas promovidas pelo atual governo têm recebido inúmeras críticas por representarem um “retrocesso” nas políticas sociais das últimas três décadas e por ampliarem o abismo entre ricos e pobres. Como você avalia a atual realidade de desmonte das políticas de inclusão social e ataques à Previdência Social e Trabalhista?

Vladimir de Oliveira. Esse desmonte nas políticas de inclusão social é fruto de um olhar recalcitrante. Eu sempre acreditei que esses setores dariam, cedo ou tarde, uma resposta a construção gradual de uma sociedade plural e multifacetada. E a resposta veio mais rápido do que eu poderia esperar. Segundo Sérgio Buarque de Holanda: “a democracia no Brasil foi sempre um lamentável mal-entendido. ” O fato é que o nosso ethos, enquanto nação, tem a sua origem fora do espectro urbano. Somos uma civilização de origem rural, patriarcalista e conservadora. Essa realidade é o resultado do modelo de colonização que fomentou o nosso país, durante séculos. Um paradigma de sociedade que constroe pontes para milhões de brasileiros que foram excluídos e alijados intencionalmente, encontraria algum tipo de resistência ideológica ou partidária. Era só uma questão de tempo. Crescimento com distribuição de renda e ampliação de serviços públicos nunca interessou aos setores mais refratários e próximos ao antigo Brasil rural. É digno de nota que os grandes grupos de comunicação (Globo, Folha e Abril) tiveram, também, um papel central na problematização e desconstrução dessas políticas públicas.

Somos Progressistas. O cenário é mesmo preocupante, com perdas significativas para esta e as próximas gerações. Agora, como explicar que movimentos evangélicos – em sua maioria pentecostais – deem apoio ao desmonte da CLT e da Previdência Social? Não é uma contradição com sua base, os pobres, que representam a ampla maioria dos seus membros?

Vladimir de Oliveira. Sim, a base do movimento pentecostal é formada na sua maioria por pobres, mas eles não têm o conhecimento necessário para compreenderem o quanto a flexibilização e a redução dos direitos trabalhistas terão um impacto direto em seus bolsos.

Somos Progressistas. As igrejas evangélicas históricas e a Aliança Evangélica recentemente assinaram um manifesto contra a reforma da Previdência. Devemos entender a atitude como um gesto de aceno aos trabalhadores? Um exemplo aos Pentecostais?

Vladimir de Oliveira. A formação pentecostal não contempla a compreensão sobre essa temática. Milhares de irmãos oriundos desse seguimento não aprofundam e nem discutem esse assunto. Eles ainda não conseguiram aliar a experiência com o sagrado, com a luta e resistência contra uma agenda que visa destruir ou diminuir os diretos dos trabalhadores. Essa dicotomia prevalece há anos, e cria uma fé alienada e escapista, mas apta em buscar soluções pueris e ilusórias. Não os vejo institucionalmente atentos e desejosos em seguir o exemplo que a Aliança Evangélica deliberou recentemente.

Somos Progressistas.  A inclusão da camada mais sofrida da sociedade foi tema de inúmeras análises sociológicas nos últimos anos, mas apesar das reiteradas avaliações constata-se que a inclusão não resolveu a problemática da pobreza. A triste realidade das pessoas que sobreviviam do que encontravam no Lixão insere-se nesta compreensão?

Vladimir de Oliveira. Completamente. O fechamento do antigo lixão não gerou a inclusão dos catadores. Eles deveriam ter sido aproveitados na logística da coleta seletiva. Foram indenizados, mas tal ação foi diminuta, em virtude das necessidades imperiosas que eles possuem. Segundo a lei, os catadores deveriam ser levados a se vincularem às cooperativas, o que não ocorreu em toda sua amplitude.

Somos Progressistas. Falando em Gramacho, qual tem sido o papel da Casa da Semente – e a sua em específico – no processo de diálogo com o público-alvo atendido pela ONG?

Vladimir de Oliveira. A Casa Semente é uma ONG que tem como missão a promoção, o desenvolvimento e a reinserção social da comunidade do entorno do desativado Aterro Sanitário de Jardim Gramacho, em Duque de Caxias.  Fundada em 2014 é uma semente de esperança em meio a imensidão de demandas sociais que marcam as comunidades de Jardim Gramacho. Eu atuo enquanto educador e articulador social. Enquanto educador, trabalho formando adolescentes, tornando-os conhecedores, críticos dos aspectos sócio-econômico da comunidade, desenvolvendo neles a capacidade de reconhecer a realidade social, e propor soluções criativas. Enquanto articulador social, trabalho visando o desenvolvimento comunitário a partir de valores de cooperação e equidade. Sei que o desenvolvimento comunitário não é um mecanismo mágico ou imediatista, e que pode ser alterado a curto prazo, mas acredito que esse trabalho precisa ser feito em conjunto com a comunidade, Estado, entidades civis e religiosas.

Somos Progressistas.  Johnnie Moore, em seu livro Um rei entre os pobres, descreve a atuação de Jesus entre os excluídos da sociedade judaica de sua época. De fato, Jesus dirigiu sua mensagem aos pobres, aos “doentes” (fazendo uma menção ao texto de Mateus 12:9). A Igreja evangélica abandonou a preferência pelos pobres? Qual é a avaliação?

Vladimir de Oliveira. A Igreja evangélica sempre teve a figura do pobre em suas fileiras ou bancos. O movimento pentecostal, em particular, conseguiu inclui pobres na maioria das suas comunidades. A questão é que nos últimos anos o tema pobreza se tornou mais complexo, e novas demandas vieram em conjunto com o dilema do ser pobre. A presença da Igreja evangélica é notória em qualquer comunidade do Rio de Janeiro. Embora de origem católica, a expressão “opção preferencial pelos pobres” é melhor aplicada no âmbito evangélico, pentecostal.

Somos Progressistas. . A Igreja evangélica parece passar pelo mesmo processo de degeneração pela a qual passou a Igreja Católica. Escândalos de corrupção são cada vez mais comuns entre os figurões do movimento. Compartilha da análise de que a Igreja evangélica brasileira perdeu sua característica original, de atenção aos pobres e excluídos?

Vladimir de Oliveira. A corrupção institucional é o resultado da ausência de instrumentos inibidores, disciplinares e eficientes que poderiam remover ou admoestar de maneira bíblica esses líderes autoritários. Claro que a ausência de alinhamento com a mensagem original de Jesus aprofundou ainda mais esse fosso.

Somos Progressistas.  A atuação da Redenção vem mostrar o caminho, ou seja, que é preciso retomar os princípios de justiça social e proteção das minorias? Ao mesmo tempo, a Redenção é uma alternativa para quem não se enquadra mais no atual modelo de Igreja?

Vladimir de Oliveira. Somos uma Igreja leve e relacional, mas muito engajada na construção de uma comunidade plural e missional. Nesse aspecto, pode ser uma alternativa para aqueles que estão à procura de uma igreja simples e orgânica. A Redenção Baixada se define como uma comunidade formada de relações igualitárias, solidárias e fraternas. Somos um organismo, no qual a fé e o chão da vida são convergentes; onde a vida é mediada pelas Escrituras. A página da vida é relida com a página da Palavra, e a partir dessa percepção são tomadas decisões práticas que buscam a melhoria de vida de todos os participantes, e em particular daqueles que estão sofrendo o impacto gerado pelo pecado estrutural. É a gênese de um novo modo de ser Igreja: horizontal, participativa, inserida na cultura popular e emancipatória.

Somos Progressistas. Paralelamente a crise financeira que o Ocidente atravessa, nota-se o aumento de casos de descriminação. Nos EUA, Donald Trump; na Europa, os nacionalistas; na Rússia, o conservadorismo destrutivo de Vladimir Putin. Ao promover o diálogo com os católicos e ao receber em seus encontros líderes como o deputado Marcelo Freixo e estabelecer uma conversa sobre o jovem Rafael, a Redenção dá o exemplo de tolerância?

Vladimir de Oliveira. A Redenção, na simplicidade da sua eclesiologia, possui o que nós chamamos de Pastoral. A preocupação básica da pastoral é a eficácia e a relevância da fé cristã. Pastoral é também práxis intencional, sistemática, organizada e coletiva. Logo, foram criadas as seguintes Pastorais: ECOredenção – pastoral da terra; Pastoral da Saúde; RedençãoCULT – pastoral da Cultura; Pastoral dos Estudantes; Pastoral dos Afetos – Espiritualidade e Subjetividades; Pastoral das Mulheres; Pastoral da Família; Pastoral da Justiça Social, e a Pastoral da Cidade.

A presença do Deputado Marcelo Freixo em nossa comunidade não ocorreu por acaso, mas é o resultado de um diálogo que estamos construindo há dois anos, sobre o conceito de direitos humanos e justiça social, na perspectiva da Pastoral da Justiça Social. Freixo é presidente da Comissão de Direitos Humanos na ALERJ, e foi convidado para falar sobre sua atuação à frente dessa Comissão, e como a sua militância também se estende às famílias de policiais – estas vítimas da guerra urbana, aparentemente irreversível.

A Redenção Cult, por sua vez, possui como objetivo colaborar com instituições e ONGS que precisam de algum tipo de ajuda, de apoio financeiro. Por exemplo, na última edição da Redenção Cult colaboramos com a construção de uma casa para uma família carente do Jardim Gramacho. No próximo encontro conversaremos sobre o Rafael Braga. Neste encontro teremos a presença de irmãos de tradição católica, que estão imbuídos na libertação do jovem Rafael. Será um momento de troca de experiências e informações, além de uma oportunidade para conscientizarmos nossos irmãos sobre o ocorrido.

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